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Será que a comida pode viciar?

No mês de janeiro houve uma grande polêmica envolvendo uma youtuber famosa por suas receitas doces, onde a influencer afirmou que deixou a confeitaria expondo que um dos motivos foi o Transtorno de Compulsão Alimentar (TCA), e falou abertamente com seu público sobre sua relação com a comida. Ainda no momento do desabafo, a youtuber fala que acredita que o açúcar vicia como cocaína ou outra droga. E essa história rendeu!

Para debater sobre o assunto, nada melhor que especialistas, que estudam neurociência e que estão aptos a desmistificar alguns conceitos equivocados sobre nutrição. A matéria da Associação Brasileira para o estudo sobre Obesidade e Síndrome Metabólica – Abeso, esclarece cinco dúvidas importantes sobre o tema: açúcar e compulsão alimentar.

Dá para comparar o açúcar a drogas?

Quem responde é a endocrinologista Cintia Cercato, que acaba de assumir a presidência da Abeso: “O açúcar não é cocaína! É verdade que o cérebro pode responder a essa substância, assim como à gordura, de forma semelhante a drogas, no sentido de ativar seus centros de prazer e recompensa”, diz a médica. “Mas não dá para comparar o que muitos chamam de ‘vício em comida’ com o vício em drogas. Até porque nenhum alimento é capaz de gerar sintomas de crise de abstinência, por exemplo.

Sem contar que o açúcar pode fazer parte de uma vida equilibrada, em que se come de tudo de maneira saudável. E o mesmo não dá para dizer da cocaína.” Conclusão: não perpetue a comparação de qualquer alimento com drogas.

O que é transtorno de compulsão alimentar?

O transtorno da compulsão alimentar (TCA) é uma entidade clínica da psiquiatria, bem definida e muito estudada”, explica o psiquiatra Adriano Segal, do departamento de psiquiatria e transtornos alimentares. ”Ele é caracterizado pela ingestão descontrolada de quantidades grandes de alimentos, nos chamados episódios de compulsão alimentar, conhecidos pela sigla ECA ou binge eating, em inglês. Esses episódios são repetitivos e sem comportamentos compensatórios inadequados”, define.

Qual seria a relação entre TCA, carboidratos simples e vício em comida?

Segundo Adriano Segal, habitualmente os alimentos presentes nos episódios de compulsão alimentar são, de fato, muito palatáveis ou ultraprocessados.“Eles costumam ter teores elevados de sal, gorduras e açúcares”, observa o médico. “Acabam sendo consumidos por uma procura ativa de quem os ingere. É quando a pessoa compra vários pacotes de uma guloseima qualquer por causa de uma promoção ou por preços convidativos”, exemplifica.

De acordo com o psiquiatra, vários pacientes relatam que não conseguem se segurar e têm que sair de casa, às vezes no meio da noite, só para comprar algum desses alimentos, ao menos no início do quadro. “Depois, passam a ter estoques maiores, para evitar esse tipo contratempo”, descreve.

Na minha prática clínica, muitas vezes recebo pacientes assim também, com o que chamamos de Fome Hedônica, o que é um grande desafio. Por isso precisamos prestar bastante atenção nos pacientes para pode diagnosticar e utilizar as ferramentas adequadas no tratamento.

Podemos falar em vício por doces?

“Algumas das vias neurológicas envolvidas na obtenção de prazer são comuns aos alimentos, ao sexo e aos efeitos de algumas drogas. Alimentos ricos em açúcar, sal e gordura ativam essas vias”, reconhece Adriano Segal. “E foi a partir desse aspecto que alguns cientistas passaram a acreditar que o conceito de ‘vício em comida’ fosse adequado. O tema começou então a ser pesquisado até os dias de hoje.”

No entanto, há algumas questões que fazem com que esse conceito não seja aceito pela totalidade—“aliás, nem mesmo pela maioria da comunidade científica”, pontua o médico. O assunto sempre gera polêmicas nas publicações acadêmicas e discussões acaloradas em congressos.

“Não cabe aqui discutir essas questões”, pondera o psiquiatra. “Mas, se você refletir um pouco sobre a ideia de que alguém possa desenvolver uma adição a uma condição indispensável à sobrevida individual e da espécie, irá ter um vislumbre: não dá para você criar uma dependência de ar; você já nasce com ela”, diz Adriano Segal. “De modo similar, ingerir comidas com alto teor de açúcar, sal e gordura teve um papel evolutivo importante no passado, que hoje não serve mais.

Mas nossa carga genética demora muitas gerações para mudar. Digamos que parar de gostar desses alimentos exige um alto esforço individual e parar de consumi-los tem um custo emocional e até financeiro maior”. Daí a assumir que essa dificuldade é necessariamente um vício pode não ser tão simples.

Mas o que dizem por aí sobre o açúcar ser um vilão, especialmente para quem tem TCA?

 Para Adriano Segal, “todos têm o direito a achar o que quiserem sobre qualquer tema. Mas, se você desejar uma opinião embasada sobre o conserto do seu carro e não for especializado na área, sugiro que procure seu mecânico de confiança, ao menos até você acabar de fazer o seu curso de mecânica”, dispara. “Do mesmo modo, se você deseja consertar alguma coisa de sua saúde, procure por um bom profissional da área e que seja de confiança”.

Em resumo, não acredite no que escutar de influenciadores sobre problemas graves, como é uma compulsão alimentar. Procure um profissional de saúde. O alimento não causa dependência química.

Não podemos, porém, ignorar o papel do comportamento alimentar e possíveis aspectos psicológicos envolvidos nos hábitos do paciente. Isso requer um olhar cuidadoso e conhecimento sobre como praticar cuidado centrado no paciente, para o correto diagnostico e uso das ferramentas adequadas para um tratamento eficaz, como Mindfulness e  a Ferramenta Pensamentos e Sentimentos, que ajuda muito em muitos casos. Outros casos podem requerer acompanhamento de outros profissionais.

Se você tem interesse em saber mais sobre o assunto, eu fiz uma live com uma superespecialista no assunto, a professora Ana Carolina do @alemdocomer, você pode conferir essa live, que eu considero uma super aula clicando AQUI.

Fonte: https://abeso.org.br/cinco-esclarecimentos-sobre-acucar-e-compulsao-alimentar/

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