Será que para se alimentar corretamente, basta estar atento aos sinais de fome e saciedade, ou será que essa questão é mais complexa que isso?
Vejo muitos profissionais recomendando que o paciente escute seu corpo e coma quando tiver fome. Mas, por mais que eu seja a favor de estratégias comportamentais, como o comer intuitivo e o Mindful Eating, que certamente dão autonomia ao paciente, temos que tomar cuidado quando recomendamos que o paciente coma apenas quando tiver fome!
Eu sou a apoiadora número um da ideia de que devemos conhecer os sinais do nosso corpo, principalmente quando se fala em apetite. Quem é meu paciente ou meu aluno sabe que eu quase sempre apresento a escala de fome e saciedade, estimulando esse autoconhecimento.
Um dos problemas que vemos hoje é que muitas pessoas possuem uma falta de consciência no ato de comer (Mindless Eating), e isso predispõe tanto o beliscar quanto o comer de maneira impulsiva e compulsiva.
Podemos nos alimentar de forma inconsciente por estarmos pensando no passado ou no futuro. Além disso, estamos cada vez mais “multitarefa”, e acabamos nos alimentando em frente às mídias, celular, televisão, computador… O resultado é obvio: comemos no piloto automático.
Uma forma de reduzir esse comer automático é a prática do Mindful Eating, que consiste em estar atento e consciente durante as refeições. Precisamos comer sem realizar outras tarefas ao mesmo tempo, nos preocupando com o sabor, respeitando o nosso corpo e comendo sem pressa.
O Mindful Eating vem do conceito do Mindfulness, que foi proposto por Jon Kabat-Zinn, um médico que trouxe essa prática meditativa do budismo para a medicina ocidental. A proposta é estimular a autonomia e resgatar os sinais internos de fome e saciedade.
O uso do Mindfulness para a modificação de hábitos alimentares ganhou bastante popularidade nos últimos anos. Uma revisão da literatura, publicada em 2014 na Obesity Reviews, teve o objetivo de determinar a eficácia das intervenções baseadas em Mindfulness no tratamento de comportamentos alimentares relacionados à obesidade, como compulsão alimentar, comer emocional e alimentação em resposta a estímulos externos. Um total de 21 artigos foram incluídos nesta revisão e dezoito deles, ou seja, 86% dos estudos revisados relataram melhorias nos comportamentos alimentares.
O Mindful Eating parece funcionar por meio de uma maior consciência dos sinais internos, ao invés de externos, para comer. Ele têm o potencial de abordar comportamentos alimentares problemáticos e os desafios que muitos enfrentam para controlar a ingestão de alimentos. Encorajar uma abordagem alimentar consciente parece ser uma mensagem positiva a ser incluída nos conselhos gerais de controle de peso para o público.
No entanto, quando falamos de paciente obesos que objetivam emagrecimento, temos que levar em conta as disrupções metabólicas que acompanham a obesidade. Paciente com obesidade possuem alterações hormonais importantes que impactam diretamente na regulação do apetite.
Um dos principais achados é a hiperleptinemia. Leptina é um hormônio secretado pelo tecido adiposo branco, cuja principal função é atuar no hipotálamo para inibir a fome. Pacientes obesos possuem excesso de tecido adiposo, logo acabam secretando uma quantidade muito grande de leptina. Ainda, nesses pacientes ocorre, por uma série de alterações na expressão gênica do receptor de leptina e na cascata metabólica pós-ligação ao receptor, causando falha na sua ação. Pacientes obesos, portanto, têm muita leptina e ao mesmo tempo resistência a ela, sentindo mais fome do que indivíduos eutróficos.
Outros achados importantes são resistência à insulina (que acaba induzindo aumento do apetite), redução de GLP-1 e PYY (hormônios que induzem saciedade), etc. Os mecanismos de regulação do apetite são complexos, e as alterações que ocorrem na obesidade são mais complexas ainda. Não há como abordar todos em um post de blog.
Sendo assim, a mensagem que quero deixar é: pacientes com obesidade sentem mais fome do que eutróficos, ou seja, deve haver cautela ao sugerir que ele coma quando sentir fome. É importante que esse autoconhecimento ocorra, mas o nutricionista deve se preocupar também em fornecer nutrientes e bioativos sacietógenos em cada refeição para auxiliar nessa estratégia comportamental, ok?
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🔎Referências
O’Reilly, G. A., Cook, L., Spruijt-Metz, D., & Black, D. S. (2014). Mindfulness-based interventions for obesity-related eating behaviours: a literature review. Obesity Reviews, 15(6), 453–461. doi:10.1111/obr.12156
Rincones Rojas LV, Ferrer Marcano AC, Mojica Muñoz JS, García AM, Celis LG. Leptin Gene and Receptor Mutations and its Association with Obesity and Overweight: A Mini Review. J Endocrinol Sci.2020;2(2):1-4