No blog de hoje venho explicar tudo sobre a composição da nossa microbiota intestinal e como ela tem o poder de influenciar tanto no nosso sistema imune, quanto na nossa saúde no geral. A diversidade e a riqueza da nossa microbiota possui uma importante associação com a nossa saúde ou possível desenvolvimento de doenças.
->Mas como ela está associada?
O intestino humano é habitado por trilhões de microrganismos. Há 10 vezes a quantidade de células microbianas no intestino humano do que células em todo o corpo humano, totalizando cerca de 100 trilhões de micróbios, representando até 5.000 espécies diferentes e pesando aproximadamente 2 kg. Mas ela não é constituída apenas de bactérias! A composição da microbiota intestinal inclui bactérias, vírus, fungos e parasitas.
As principais espécies de bactérias incluem Prevotella, Ruminococcus, Bacteroidetes e Firmicutes.
*A composição da microbiota intestinal é individual e tende a permanecer relativamente estável ao longo da vida, embora sejam observadas flutuações transitórias diárias.
Além disso, são vários os fatores que podem contribuir para o crescimento tanto de bactérias gram negativas quanto de bactérias gram positivas!
Mas qual a diferença entre bactérias gram positivas e gram negativas?
->As bactérias gram positivas possuem parede celular com uma camada de peptideoglicano, apresentando maior adesão e sendo aeróbias.
->As bactérias gram negativas apresentam parede celular com mais camadas, sendo elas de peptideoglicanos, lipoproteínas e membrana externa, sendo anaeróbias.
E quais são os principais filos?
A microbiota do nosso corpo é constituída principalmente de bacterioidetes e firmicute, e com uma menor porção de actinobacterias e proteobactérias. A composição varia conforme a região do nosso corpo (mucosa intestinal, vaginal, pele…). A razão entre as espécies bacterianas Bacteroidetes e Firmicutes demonstrou desempenhar um papel importante na saúde e na doença.
Os firmicutes são os staphylococcus, Lactobacillus, Clostridia, mycoplasma
Já os bacterioidetes são a Prevotella, Bacteroides e Porphyromonas.
->Afinal, quais são as funções da nossa microbiota?
Ela possui papel nutricional, digestivo e metabólica! Isto é, ela é responsável tanto pela síntese de vitaminas do complexo B, como a vitamina B1, B2, B3, B5, B6, ácido fólico, biotina, vitamina k). Como digestiva, de síntese de enzimas digestivas, regulação da peristalse e absorção de nutrientes. Além disso, ela participa da conversão de flavonoides na sua forma ativa.
A literatura já comprova através de diversos estudos que o principal substrato para a manutenção da diversidade da nossa microbiota a longo prazo são as fibras advindas da dieta e as suas fontes alimentares.
Além da dieta, a microbiota intestinal é moldada por uma combinação de estilo de vida e genética do hospedeiro, regulações imunológicas e metabólicas)
->Como ela é formada?
Ao longo da vida, as principais influências na microbiota do recém nascido incluem o modo de parto, o método de alimentação e medicamentos. Entre os 2 e 3 anos de idade, encontra-se o período de desenvolvimento crítico
da microbiota intestinal, com interrupções ligadas a um maior risco de doenças autoimunes e distúrbios
metabólicos na vida adulta.
Em crianças que são amamentadas exclusivamente com o leite materno existe a predominância dos gêneros Lactobacillus e Bifidobacterium. Já quando crianças que são alimentadas com fórmulas comerciais têm menos Lactobacillus e Bifidobacterium e um aumento significativo de Clostridium, Bacteroides e de membros da família Enterobacteriaceae. E na introdução alimentar, outros microorganismos passam a contribuir com a diversidade microbiana.
Entretanto, a literatura já demonstra que, uma quantidade elevada de alimentos produtores de lipopolissacarídeos (LPS) durante esse período pode aumentar a ativação imunológica e possivelmente mediar doenças autoimunes na vida adulta.
Qual a melhor dieta a se seguir com a finalidade de ter um microbioma intestinal saudável?
->A importância das fibras em qualquer dieta:
As fibras alimentares são polímeros de carboidratos que são ainda divididos nos grupos fibra solúvel e fibra insolúvel. As fibras solúveis têm sido de muito interesse, devido ao fato de serem metabolizadas pelas bactérias intestinais e produzirem ácidos graxos de cadeia curta (AGCC).
As espécies bacterianas que são mais responsivas à fibra alimentar são aquelas pertencentes a Firmicutes e Actinobacteria.
Um estudo realizado em humanos, que consistiu em 178 idosos, que consumiram uma dieta pobre em fibras ou uma dieta rica em fibras, descobriu que o grupo de dieta rica em fibras tinha uma proporção maior de butirato, acetato e propionato SCFA em comparação com aqueles que foram alimentados dietas pobres em fibras.
E o que seriam os famosos ácidos graxos de cadeia curta?
Eles advém da fermentação fibras alimentares pela flora bacteriana dentro do microbioma intestinal. Recentemente, houve pesquisas sobre os efeitos que os SCFA têm no microbioma intestinal e seu papel na redução da inflamação. O interessante é que o acetato, um dos ácidos graxos formados pela nossa microbiota, demonstrou regular a homeostase hepática de lipídios e glicose. Além disso, o butirato e o propionato
demonstraram induzir a gliconeogênese intestinal, melhorando tanto a produção periférica de glicose!
->FIBRAS X FERMENTADOS: QUAL O MELHOR SUBSTRATO?
Os alimentos ricos em fibras fazem parte da nossa alimentação ao longo do dia, mesmo que em poucas quantidades. Já a oferta de alimentos ofertados é um pouco mais restrita. Pensando a nível de consultório, em geral, estimulo o consumo diário de 30g fibras/dia. Sendo elas encontradas em frutas, legumes, legumes, grãos, nozes e sementes e outros.
Os alimentos fermentados são encontrados em iogurte, queijo cottage fermentado, vegetais fermentados como o repolho, vegetais, bebidas de salmoura, kombucha.
Um estudo avaliou as mudanças nos marcadores inflamatórios e no aumento na diversidade
da microbiota da linha de base ao final de uma intervenção com alimentos ricos em fibras e alimentos fermentados. Ele concluiu que uma dieta rica em fibras e uma dieta rica em alimentos fermentados resultam em efeitos distintos na microbiota intestinal e no sistema imunológico do hospedeiro. Mas ambas são extremamente benéficas! Sendo que a ingestão de alimentos fermentados diminui os marcadores de inflamação.
OBS: as fibras estimulam o aumento de Akkermansia, que tem sido associada positivamente à saúde metabólica.
->Mas será que outros fatores interferem na microbiota do hospedeiro?
Um ensaio clínico randomizado, paralelo e controlado de 12 semanas associou o efeito do exerício físico com a diversidade microbiana! Os 75 voluntários foram divididos em três grupos: um grupo mudando sua dieta de uma dieta de carne para uma dieta vegetariana, o segundo grupo adotando um regime de exercícios físicos de 30 minutos de um exercício aeróbico guiado em uma academia três vezes por semana sem alterar suas dietas originais, e os indivíduos controle continuaram seu estilo de vida.
Após 3 meses, os voluntários foram entrevistados para perguntar se seguiram rigorosamente as orientações experimentais, e amostras de fezes de 41 indivíduos que seguiram as orientações foram coletadas para posterior análise.
O exercício modificou sim a composição do microbioma intestinal de forma mais significativa do que a mudança de dieta. O exercício aumentou a abundância de bactérias benéficas ao mesmo tempo em que diminuiu as bactérias patogênicas. Os Tenericutes e Verrucomicrobia foram aumentadas tanto pelo exercício quanto pela dieta vegetariana!
*Tenericutes são um grupo de bactérias sem parede celular e são tipicamente comensais de hospedeiros eucarióticos.
*Verrucomicrobia é um grupo de bactérias com estruturas celulares compartimentadas semelhantes às células eucarióticas e são frequentemente encontradas em fezes humanas.
->Ou seja, o exercício físico também possui o poder de aumentar a diversidade da nossa microbiota intestinal!
->TMAO: reduzir ou não suas fontes de consumo?
A dieta ocidental típica é composta por um alto consumo de carne vermelha e processada, contendo altos níveis de carnitina e colina, ambos precursores para as bactérias intestinais produzirem trimetilamina (TMAO).
Sua produção é desfavorável e tem sido associada à inflamação e está associada ao diabetes tipo II e à obesidade.
As dietas ricas em gordura alteram a composição do microbioma intestinal, aumentando a proporção relativa de Firmicutes, que são organismos produtores de TMAO, e aumentando ainda mais a inflamação sistêmica e a resistência à insulina.
-> Além disso, esse metabólito chega ao fígado por absorção e transporte pela veia porta. No fígado, o TMAO pode ser oxidado pela monooxigenase hepática, que está fortemente associado ao desenvolvimento de doenças cardiovasculares, doença hepática gordurosa não alcoólica e inflamação sistêmica.
Qual a relação entre saúde cardiovascular e microbiota?
Um estudo de base populacional consistiu de 4.930 participantes (25-74 anos; 53% mulheres) e observou que há associações entre a microbiota intestinal e itens alimentares, como produtos integrais, frutas vermelhas, nozes e legumes. No entanto, ele identificou que não são apenas os alimentos na dieta que interferem na diversidade da microbiota, mas sim o estilo de vida em geral, incluindo os níveis de estresse, prática regular de exercício físico e sobretudo, a alimentação.
Microbiota e intervenção: o que eu recomendo?
Compartilho aqui alguns princípios básicos que recomendo aos meus pacientes no consultório e que já garantem uma diversidade maior do nosso microbioma intestinal:
*Não ingerir líquidos durante as refeições (quanto maior a quantidade de líquido, mais o suco gástrico fica diluído -> até 150ml durante a refeição).
*Preferir consumir uma diversidade de frutas e hortaliças, como 5-9 porções por dia.
*Alimentos ácidos podem melhorar a nossa digestão, como limão, abacaxi e vinagre na salada.
*Evitar o consumo exagerado de carnes, pois carnes mal digeridas causam gases. Sempre intercalar entre as fontes (carne de frango e peixe são as melhores opções).
Recado final: o que precisamos é estimular a diversidade alimentar do nosso paciente e combater a monotonia, assim como o sedentarismo! Pois a baixa diversidade da microbiota está associada a muitas DCNTs,como obesidade e diabetes e com estilos de vida industrializados conhecidos por predispor indivíduos a DCNTs.
->Por fim, a MICROBIOTA é diferente em pessoas OBESAS?
Sim! A disbiose intestinal pode alterar a produção de peptídeos gastrointestinais relacionados à saciedade, resultando em aumento da ingestão alimentar.
Além disso, o metabolismo de algumas bactérias pode facilitar a extração de calorias da dieta, aumentar a deposição de gordura no tecido adiposo, e exacerbar processos inflamatórios hepáticos! Sem falar no controle do
sistema endocanabinóide, que é expresso em tecidos que controlam o balanço energético (pâncreas, músculo, intestino, gordura, fígado e hipotálamo).
A microbiota está associada a diversos hormônios que são relacionados a fome e saciedade, isto é, o aumento da produção de ácidos graxos de cadeia curta demonstra estar associados a um aumento no peptídeo YY (PYY), da grelina,insulina e produção de peptídeo-1 semelhante ao glucagon (GLP-1)!
Temos um módulo específico sobre microbiota e obesidade na nossa pós-graduação com a Vivian Coimbra!-> MICROBIOTA INTESTINAL E O SISTEMA IMUNOLÓGICO DO PACIENTE COM OBESIDADE <3
Ficou interessado?!
Ressalvo aqui várias referências de leitura que acredito serem super importantes para quem deseja se aprofundar mais no assunto!
FERMENTED-FOOD diet increases microbiome diversity, decreases inflammatory proteins, study finds. Stanford Medicine ,2021.
GUT-MICROBIOTA-TARGETED diets modulate human immune status. Cell, 2021.
HOST Factors Affect the Gut Microbiome More Significantly than Diet Shift. Microorganism, 2021.
EFFECT of Diet on the Gut Microbiota: Rethinking Intervention Duration. Nutrients , 2019.
ASSOCIATIONS of healthy food choices with gut microbiota profiles. The American Journal of Clinical Nutrition, 2021.