Você conhece as principais diretrizes para o tratamento da obesidade? Nós temos a européia, canadense, brasileira, americana. Elas são as ferramentas mais importantes ara orientar a nossa prática clínica e, por isso, vim falar um pouco sobre cada uma delas aqui.
O guideline que eu mais gosto é o europeu para o tratamento da obesidade, que foi publicado em 2019. O foco dele é uma abordagem prática centrada no paciente. Ele é baseado em tópicos que muitas vezes são negligenciados, como comunicar-se com pacientes que sofrem de obesidade e motivá-los a mudar, educação terapêutica do paciente e evitar a estigmatização.
Diferentes abordagens para controlar a obesidade devem ter a sua base a boa comunicação com os pacientes, promovendo motivação, avaliação clínica objetiva e terapia comportamental. A forma como o profissional de saúde se comunica com os pacientes é crucial para estabelecer uma aliança terapêutica.
Devemos reconhecer que a discriminação e estigmatização de pacientes com obesidade é surpreendentemente comum em ambientes de cuidados de saúde. Muitos profissionais pensam que os pacientes com obesidade são preguiçosos, desobedientes, pouco inteligentes, sem força de vontade e até desonestos. Muitos pacientes se sentem desprezados e, portanto, evitam consultas e tratamentos.
A estigmatização pode causar um aumento nos distúrbios alimentares e uma diminuição na atividade física, ambos levando a um ganho de peso adicional e maior obesidade, bem como aumento da depressão, pensamentos suicidas ou mesmo, nos piores casos, suicídio. O manejo dos aspectos psicológicos da doença, como melhora da autoestima, imagem corporal e qualidade de vida, também não deve ser negligenciado.
Outro ponto importante é que esse guideline considera que alcançar a perda de peso máxima no menor tempo possível não é a chave para o sucesso! Os objetivos do tratamento serão obviamente ajustados às complicações. A perda de peso é dada como um indicador do que poderia ser alcançado para diminuir os riscos cardiometabólicos. Essa perda pode variar de 5 a 10%, dependendo da patologia, e é suficiente para obter benefícios substanciais para a saúde com a redução de comorbidades. A redução da circunferência da cintura deve ser considerada ainda mais importante do que a perda de peso por si só, pois está ligada a uma diminuição da gordura visceral e riscos cardiometabólicos associados.
E como o manejo dos pacientes com obesidade pode ser melhorado? A resposta é: diminuindo atitudes negativas e tomando ações como acolher o paciente com empatia e sem julgamentos; compreender que um paciente com obesidade já pode ter tido experiências negativas com profissionais de saúde; reconhecer que a obesidade é multifatorial; não utilizar palavras inadequadas ou ofensivas; perguntar se o paciente deseja falar sobre o seu peso antes de iniciar a discussão; e trocar o termo “obeso” por “com obesidade”, pois isso será considerado menos estigmatizante pelo paciente.
A Diretriz Canadense de Obesidade em adultos, publicada em 2020, também foi elaborada com uma abordagem centrada no paciente. O documento destaca 5 orientações para serem seguidas por profissionais de saúde no atendimento a pessoas com obesidade, são eles:
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Pedir permissão: os profissionais de saúde devem pedir permissão ao paciente para oferecer conselhos e ajudar a tratar essa doença de maneira imparcial.
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Avaliar a história do paciente: usando medidas apropriadas e identificando as causas, complicações e barreiras para o tratamento da obesidade.
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Conversar sobre as opções de tratamento: discussão das principais opções de tratamento (terapia nutricional médica e atividade física) e terapias adjuvantes que podem ser necessárias, incluindo intervenções psicológicas, farmacológicas e cirúrgicas.
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Definir metas junto com o paciente: concordância com o paciente quanto aos objetivos da terapia, enfocando principalmente o valor que a pessoa extrai das intervenções baseadas na saúde.
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Acompanhar o paciente: envolvimento dos profissionais de saúde com a pessoa com obesidade no acompanhamento e reavaliações contínuas e incentivo à promoção da melhoria do atendimento para essa doença crônica.
Outro guideline muito importante são as Diretrizes Brasileiras de Obesidade. Elas foram publicadas em 2016 com o objetivo de fornecer dados sobre a etiologia, o diagnóstico e o tratamento dietético, cognitivo-comportamental e farmacológico do excesso de peso. Essa publicação também traz recomendações contra alguns tratamentos heterodoxos e suplementos nutricionais, chamando a atenção para terapias sem fundamentação científica, portanto práticas não recomendadas para o tratamento da obesidade. Entre elas, estão a acupuntura, aromaterapia e suplementos herbais.
Ela fala ainda sobre “você sabe quem”, que vende shakes e suplementos para perda de peso. E adivinhem o que é dito… isso mesmo, que existem relatos publicados sobre lesões hepáticas após ingestão desses produtos em pelo menos 30 casos em diversos países. O padrão de lesão predominante foi hepatocelular, mas também foram observados padrões mistos e de colestase, com intensidade desde leve até lesão hepática grave, incluindo cirrose e insuficiência hepática aguda com necessidade de transplante de fígado em dois casos (bem sucedido em um paciente, com óbito no segundo).
Os representantes da marca negam a relação causal entre o consumo dos seus produtos e lesão hepática. Mas ainda continua especulativo o que poderia ter causado dano hepático nos casos publicados, já que os pacientes ingeriram até 17 componentes diferentes que estavam presentes nos produtos ao mesmo tempo. Isso torna quase impossível identificar o composto responsável. Existem algumas hipóteses: lesão hepática imunomediada ou adulteração de produtos (após um relato de dois pacientes, dos quais um desenvolveu cirrose após contaminação bacteriana de vários produtos da marca com Bacillus subtilis). Como “você sabe quem” é produzida em várias regiões do mundo, especula-se que os produtos contaminados com germes ou compostos químicos poderiam ter sido responsáveis pela hepatotoxicidade.
Eu não poderia deixar de falar também da tabela da AACE (American Association of Clinical Endocrinologists), publicada em 2016, que traz um tripé com a Nutrição, Atividade Física e Comportamento. Para quem não sabe a AACE é a diretriz americana de prática clínica para cuidados médicos de pacientes com obesidade, apesar de ser um Guideline de 2016, as orientações seguem atemporais, vou falar brevemente sobre elas.
Como tratamento ressalta-se a importância de um plano alimentar saudável com redução de calorias que segundo o Guia, deve ser o principal componente de qualquer intervenção para perda de peso. Além disso a modificação dos macronutrientes (carboidrato, lipídio e proteína) pode ser considerada na intenção de otimizar a adesão e por consequência melhorar o perfil metabólico e os resultados clínicos como um todo.
A atividade física aeróbica deve ser prescrita para pacientes com sobrepeso ou obesidade, a prescrição inicial pode com o tempo ser ajustada, exigindo um aumento progressivo na intensidade e frequência do exercício, o objetivo final deve ser acima ou igual a 150 minutos/semana de exercício moderado realizado durante 3 a 5 dias por semana. O treinamento de resistência também é indicado para ajudar a promover a perda de gordura enquanto preserva a massa muscular, o objetivo deve ser o treinamento de resistência de 2 a 3 por semana.
As intervenções comportamentais se mostram eficazes no aumento da adesão ao paciente com sobrepeso ou obesidade, essas intervenções podem incluir: automonitoramento de peso, da ingestão de alimentos e atividade física, além é claro, de uma abordagem que se trabalhe com questões como redução de estresse, entrevista motivacional, aconselhamento psicológico e conversas com o próprio profissional de saúde ou em grupos para sanar dúvidas e resolução de problemas.
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Referências:
SCHUTZ, Dominique Durrer et al. European practical and patient-centred guidelines for adult obesity management in primary care. Obesity facts, v. 12, n. 1, p. 40-66, 2019.
CMAJ 2020 August 4;192:E875-91
Diretrizes brasileiras de obesidade 2016/ABESO
GARVEY, W. Timothy et al. American Association of Clinical Endocrinologists and American College of Endocrinology comprehensive clinical practice guidelines for medical care of patients with obesity. Endocrine Practice, v. 22, n. s3, p. 1-203, 2016.