Quando pensamos em uma microbiota intestinal saudável, logo nos vem em mente o uso de probióticos, prebióticos e simbióticos. Cuidado! As evidências nos mostram que, muitas vezes, não há necessidade e nem indicação do uso de bactérias provenientes de medicação, tendo em vista que o tratamento primário é o ajuste da alimentação, pois sabemos que alguns alimentos fornecem substratos suficientes para modular a microbiota intestinal.
Você sabia que existem mais células bacterianas do que células humanas no nosso organismo? Sim. Temos de 10 a 100 trilhões de microrganismos que residem no intestino humano. O intestino é muito mais do que um órgão excretor e a microbiota intestinal tem funções importantes, como:
- Nutrir os enterócitos (células do intestino)
- Melhorar a imunidade
- Auxiliar na metabolização de vitaminas
- Função endócrina
- Auxiliar na produção de alguns hormônios (como por exemplo a serotonina), etc.
A alteração da microbiota intestinal pode estar relacionada com diversos fatores, como:
- Baixa qualidade da dieta – principalmente a dieta ocidental – ou seja, uma dieta com baixo teor de fibras e com elevado teor de açúcares e gorduras;
- Uso de medicamentos inibidores da bomba de prótons
- Uso de antibióticos
- Consumo elevado de gordura saturada, fumo e ingestão de bebidas alcoólicas, etc.
Além disso, sabemos que há outros fatores como estresse, privação de sono e depressão, que também estão relacionados a prejuízos no equilíbrio da microbiota.
Uma dieta rica em alimentos saudáveis e vegetais está ligada à presença e aumento de certos microrganismos no intestino que também estão associados a um menor risco de desenvolver doenças como obesidade, diabetes tipo 2 e doenças cardiovasculares, como mostra os resultados recentes de um estudo internacional de grande escala que foi co – autoria sênior de Andrew T. Chan, do Massachusetts General Hospital (MGH) afiliado a Harvard. O relatório foi publicado na Nature Medicine.
Por exemplo, ter um microbioma rico em espécies de Prevotella copri e Blastocystis se mostrou associado à manutenção do nível de açúcar no sangue após uma refeição.
Outras espécies foram associadas a níveis mais baixos de gorduras no sangue e marcadores de inflamação pós-refeição. Os pesquisadores acreditam que os dados do microbioma podem ser usados para determinar o risco de doença cardiometabólica entre pessoas que ainda não apresentam sintomas e, possivelmente, se possa prescrever uma dieta personalizada projetada especificamente para melhorar a saúde de alguém. Viva a ciência!
Para fechar, vamos resolver um caso clínico juntos? Paciente com 33 anos, com obesidade grau II, relata ter diabetes, ansiedade, insônia, refluxos e náuseas, diarréia contínua (2-3 vezes no dia), e diz que o objetivo da consulta é para perder peso. O que é necessário investigar na alimentação da paciente?
Primeiro, ainda no exame clínico é necessário investigar: distensão abdominal, dor abdominal, enxaqueca, cãibras, problemas na pele, cansaço, afta na boca, dores articulares, infecção urinária de repetição, candidíase, etc.
Todos esses sintomas estão relacionados com o desequilíbrio da microbiota intestinal, também chamada disbiose. Na alimentação, é necessário investigar se a paciente apresenta alguma intolerância alimentar, se está fazendo uso de alguma medicação, como está o consumo de fibras e a hidratação da paciente.
Quando a microbiota intestinal está em desequilíbrio, ocorre um aumento da permeabilidade intestinal, ou seja, a integridade intestinal fica comprometida, com isso, ocorre a passagem indiscriminada de toxinas e patógenos, podendo ocasionar diversas alterações, como doenças autoimunes, uma intolerância alimentar (glúten, caseína…) e alguns sintomas clínicos.
A proposta terapêutica para essa paciente é a modulação intestinal, considerando também a influência das bactérias do intestino na obesidade. Porém, mais do que isso, é necessário avaliar com cautela a necessidade de retirada de alguns alimentos para melhora imediata dos sintomas (como a estratégia Low Fodmaps para tratar os desconfortos intestinais), e claro, intervir na qualidade de vida da paciente é sempre necessário. O trabalho de uma equipe interdisciplinar pode ser interessante, pois a troca entre a equipe pode auxiliar tanto no fechamento do diagnóstico como no tratamento, tornando-o mais eficaz.
“Quando você come, você não está apenas alimentando seu corpo, você está alimentando os trilhões de microrganismos que vivem dentro de seu intestino.” – Tim Spector, King’s College London.
Fonte: https://news.harvard.edu/gazette/story/2021/01/study-finds-link-between-gut-microbes-and-obesity/
Taylor AM, Holscher HD. A review of dietary and microbial connections to depression, anxiety, and stress. Nutr Neurosci. 2020 Mar;23(3):237-250. doi: 10.1080/1028415X.2018.1493808. Epub 2018 Jul 9. PMID: 29985786.