Pergunta polêmica! Afinal, jejum funciona ou não?
Antes de mais nada, a pergunta que deve ser feita é: qual jejum? Existem diferentes métodos de praticar jejum, cada um com um efeito diferente no organismo. Jejum de dias alternados, 5:2, fast-mimicking, time-restricted feeding, etc. Vamos focar no time-restricted feeding. Para entender essa prática, precisamos compreender primeiro o ciclo circadiano. As células do nosso corpo possuem um relógio interno de 24 horas. Esse relógio determina que tipo de ação as células vão ter, de acordo com a hora do dia. Apesar do ciclo circadiano ser de certa forma independente nos órgãos periféricos, ainda assim existe uma hierarquia no organismo: é o caso do núcleo supraquiasmático, uma região hipotalâmica responsável por orquestrar parte do ciclo circadiano corporal. Ela está muito associada com a produção de melatonina, por exemplo. E melatonina, hoje sabemos, é uma molécula com funções múltiplas, sendo a principal a regulação do sono.
Acontece que para que todo esse sistema complexo funcione conforme planejado, ele depende da luz exterior. A nossa retina tem papel de destaque, emitindo sinais bioquímicos a partir da fotorrecepção. O ciclo circadiano é programado para funcionar de acordo com o ritmo da Terra: 12 horas de exposição à luz, com diminuição gradativa até chegar à escuridão pelo restante de horas. O problema é que na atualidade estamos expostos à luz quase que 24 horas! Se não é luz de lâmpada, é luz de televisão, computador ou celular até a madrugada. Isso faz com que o cérebro interprete que ainda não está “de noite” no ambiente exterior, o que faz com que haja menor produção de melatonina.
Aí vêm os problemas de sono, de apetite, de peso, etc. E por que falei disso tudo? Porque alimentação também contribui tanto para a homeostase quanto para o desarranjo do ciclo circadiano. Assim como o sono, o corpo está programado para se alimentar mais durante o dia do que durante a noite. Temos naturalmente um balanço entre estado alimentado (anabólico, construtor) e de jejum (catabólico e de reparo). Pessoas que possuem o ciclo circadiano alterado geralmente têm, como causa ou consequência, alterações em horário, quantidade e qualidade da alimentação. O relógio biológico central é mais regulado pela luz/escuridão, enquanto os relógios periféricos são mais regulados pela alimentação. A proposta do time-restricted feeding, portanto, é reajustar o ciclo circadiano para promover qualidade de vida. É uma modalidade de jejum no qual se permite consumo alimentar apenas em uma faixa do dia (geralmente um período de 12 horas, de 6h às 18h).
A prerrogativa é que um jejum de 10 a 12 horas durante a noite seria capaz de resetar o relógio biológico e otimizar as vias de reparo endógenas. A maior parte dos estudos com time-restricted feeding foi feita em animais, que foram muito importantes para entender mecanismos bioquímicos, por exemplo. Mas mesmo em humanos haverem poucos estudos, os que estão disponíveis são bastante promissores: há adequação do peso corporal, redução de glicose, triglicerídeos e LDL plasmáticos e aumento de HDL. Então respondendo à pergunta inicial: sim, funciona. Mas tenha em mente os diferentes tipos de jejum e que tratamos pessoas, não um exame laboratorial. Ter evidência de benefício não significa aplicar para todos!
Há pessoas que não lidam bem com restrição (gera compulsão), outras que não conseguem se adaptar a ficar horas sem se alimentar…. etc. Avalie o custo x benefício e julgue, em conjunto com seu paciente, se essa será a melhor estratégia para ele
Na Formação em Emagrecimento e Saúde abordo o jejum como uma estratégia para perda peso com exemplos de prescrição e protocolos. Se você quer saber mais sobre esse curso é so acessar aqui.
REFERÊNCIAS LONGO, V. D.; PANDA, S. Fasting, circadian rhythms, and time-restricted feeding in healthy lifespan. Cell Metabolism, v. 23, n. 6, p. 1048-1059, 2016. MANOOGIAN, E. N.; PANDA, S. Circadian rhythms, time-restricted feeding, and healthy aging. Ageing Research Reviews, v. 39, p. 59-67, 2017. POTTER, G. D. M. et al. Nutrition and the circadian system. British Journal of Nutrition, v. 116, n. 3, p. 434-442, 2016.