Nos dias atuais, enfrentamos um imenso paradoxo: de um lado, a abundância de comida, propagandas de alimentos e aplicativos de delivery; do outro, o culto à magreza e corpos esculturais nas redes sociais. Esses dois opostos mantêm uma relação estreita, que resulta no aumento alarmante dos índices de obesidade e de transtornos alimentares, como compulsão, bulimia, anorexia e ortorexia.
E no limiar dessa relação pouco saudável com a comida está o comer transtornado. Mas, o que de fato é esse comportamento? Como identificá-lo, tratá-lo e superá-lo?
Geralmente, o comer transtornado tem início através da adoção de dietas restritivas com o objetivo de perder peso. Essas dietas frequentemente são desequilibradas e envolvem comportamentos disfuncionais para alcançar um peso ou formato corporal específico, com métodos inadequados para gerir o peso. Um estudo realizado com estudantes brasileiras universitárias mostrou que mais de 50% delas apresentam características de um comer transtornado.
Alguns exemplos de comportamento que podem indicar um “comer transtornado”:
- Medo ao comer;
- Hábito de pular refeições ou jejuar;
- Culpa ao comer algum alimento “proibido”;
- Prática constante de dietas;
- Fazer restrição de calorias, grupos alimentares ou nutrientes, como trigo, lactose, doces, carboidratos (sem indicação);
- Necessidade de muito controle da própria alimentação e do corpo;
- Exageros alimentares frequentes ou até episódios compulsivos;
- Medidas compensatórias para perder ou controlar o peso corporal, como excesso de atividade física após comer em excesso.
Por mais frequente e comum que pareçam esses comportamentos, todos eles são ciclos que começam com insatisfação corporal e levam a uma relação conturbada com a comida. No entanto, não são normais e, por isso, podem resultar a longo prazo em complicações muito sérias: os transtornos alimentares (TA’s).
O que diferencia o comer transtornado dos TA’s é a frequência, intensidade e gravidade com que ocorrem. Não se pode afirmar que todas as pessoas que apresentam comer transtornado vão desenvolver distúrbios alimentares, mas quem possui diagnóstico para algum TA, provavelmente começou dessa forma.
>> O profissional de saúde e a nutrição comportamental
É preciso um olhar atento e sensível do profissional da saúde para evitar que a normalização de alguns comportamentos virem transtornos alimentares. E aí entra o papel da nutrição comportamental, como forma de prevenir os TA’s, recuperar um comportamento alimentar saudável e natural e construir uma nova forma de se alimentar.
Nesse momento, é fundamental quebrar o ciclo evitando práticas restritivas e adotando medidas de autocuidado. É necessário mostrar ao paciente que a perda de peso vai muito além de números da balança e estética. Que o peso é apenas um reflexo do comportamento alimentar. E o comportamento alimentar é resultado de como lidamos com nossas emoções, pensamentos e situações do dia a dia.
Todo esse processo de prevenção e tratamento do comer transtornado começa com uma boa anamnese. Perguntas abertas, escuta ativa e entrevista motivacional são ferramentas valiosas para construir vínculos sólidos e compreender as necessidades individuais do paciente, suas rotinas, história clínica e dificuldades. E manter uma postura acolhedora e livre julgamentos, para que haja uma relação de parceria no processo de tratamento.
Mudanças efetivas no tratamento do comer transtornado vão além de fornecer orientações nutricionais e dietas. É essencial compreender as complexidades individuais, os desafios pessoais e os padrões comportamentais de cada paciente. O comportamento é a base para a mudança necessária, e os profissionais da área devem estar preparados para promover uma abordagem personalizada, levando em consideração não apenas a alimentação, mas também os aspectos emocionais e psicológicos envolvidos.
Em suma, o comer transtornado é um desafio que requer uma abordagem holística, por isso a importância, sempre que possível, de um trabalho em equipe multidisciplinar (com nutricionista, psicólogo, endócrino…), para que em conjunto, garantam um diagnóstico preciso e um tratamento adequado.
Só assim, poderemos auxiliar aqueles que sofrem com esse comportamento a alcançar uma relação saudável com a comida, o corpo e consigo mesmos.
Referências:
LEAL, Greisse Viero da Silva et al . O que é comportamento de risco para transtornos alimentares em adolescentes?. J. bras. psiquiatr., Rio de Janeiro , v. 62, n. 1, p. 62-75, 2013. 10.1590/S0047-20852013000100009
Alvarenga, Marle dos Santos, Lourenço, Bárbara Hatzlhoffer, Philippi, Sonia Tucunduva, & Scagliusi, Fernanda Baeza. Disordered eating among Brazilian female college students. Cadernos de Saúde Pública, 29(5), 879-888, 2013. Doi: 10.1590/S0102-311X2013000500006