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Muitos pais chegam até o meu consultório falando que seus filhos não comem nenhum vegetal ou fruta, e só querem saber de ultraprocessados e doces.

  • E o que fazer nessa situação?

Afinal, permitir o chocolate todos os dias, ou forçar de forma indevida os vegetais têm consequências graves na alimentação e saúde dessa criança.

Como nutricionistas, é essencial entendermos esse desafio e orientarmos as famílias de forma adequada. E um dos dilemas mais comuns que os pais enfrentam é decidir entre a permissão e a restrição.

  • Qual é o caminho certo?

O COMO COMER É TÃO IMPORTANTE QUANTO O QUE COMER

Quando falamos sobre orientação nutricional para crianças, é essencial que o nutricionista seja capaz de orientar os pais para além do “o que comer”, uma vez que o “como comer” é tão importante – ou até ainda mais importante – principalmente durante a primeira infância.

Não é apenas sobre comer os vegetais do prato e não comer o doce de sobremesa.

A criança está consumindo esses vegetais de forma obrigada, através de chantagens, ficando horas em frente à mesa até raspar o prato? Caso a resposta seja sim, esse vegetal consumido pela criança trará mais malefícios do que um brigadeiro, consumido em uma festa infantil.

Nós sabemos que o momento ideal para promover uma boa relação entre a comida e a criança é a introdução alimentar. Nesse vídeo do Youtube (https://www.youtube.com/watch?v=_y7_edq9XpM ) eu compartilho os pontos mais importantes para uma boa condução de introdução alimentar- pontos esses muito mais relevantes do que a escolha de dar a primeira refeição salgada ou doce.

Afinal, a relação que a criança cria com a comida nessa idade será levada com ela para o resto de sua vida.

Ou seja, como nutricionistas, devemos focar além de como orientar o que a criança irá comer em situações de dificuldade alimentar, a melhor maneira que esses pais irão conduzir essa educação alimentar em casa.

A EDUCAÇÃO ALIMENTAR IMPORTA

Nesse processo de educação alimentar, uma forma que muitos enxergam como “tradicional” de educar os filhos à mesa, como forçar a criança terminar o prato, fazer uso de chantagens, dentre outras práticas consideradas comuns, já são comprovadamente negativas para no desenvolvimento da relação da criança com a comida. Elas podem resultar em seletividade alimentar, dificuldade alimentar, ou outros distúrbios ainda mais sérios ao longo da vida.

Por outro lado, é cada vez mais comum enxergarmos o comportamento oposto à esse, chamado de “permissividade excessiva”. Aqui, vemos pais oferecendo doces para a criança à toda hora, falta de rotina alimentar e uma decisão total por parte da criança sobre o que e quando ela vai comer – o que também vai ter efeitos negativos no comportamento alimentar e ainda pode comprometer a saúde dela.

Por isso, é cada vez mais falado na nutrição materno-infantil sobre a disciplina positiva e o impacto da educação dos pais na forma em que os seus filhos se alimentam.

DISCIPLINA POSITIVA

Apesar da disciplina positiva não ser voltada especificamente para a alimentação, e sim ser uma forma de educação, suas ferramentas colaboram para uma boa orientação nutricional na alimentação infantil. No entanto, atualmente, não se encontra o termo “disciplina positiva” nos estudos, e sim o termo “estilos parentais”.

Estilos parentais referem-se a padrões de comportamentos e abordagens que os pais usam na criação de seus filhos. O conceito de estilos parentais foi inicialmente proposto por Diana Baumrind em estudos realizados na década de 1960. Ela identificou quatro principais estilos parentais:

  1. Autoritário: são pais caracterizados por serem exigentes e controladores. Eles estabelecem regras rígidas e expectativas elevadas, mas oferecem pouco apoio emocional ou flexibilidade. Por exemplo: não deixar o filho se levantar da mesa antes de comer, sem entender o porquê ele não está comendo;
  2. Permissivo: pais permissivos tendem a ser tolerantes e pouco exigentes. Eles são afetuosos e indulgentes, permitindo que as crianças tenham muita liberdade e controle sobre sua alimentação. Aqui as crianças definem o que comem, quando comem, sem regras ou rotina definida.
  3. Negligente: pais que não demonstram muita responsabilidade ou envolvimento. Aqui os pais podem terceirizar a educação e alimentação dos seus filhos, não se envolvendo e não demonstrando interesse.
  4. Autoritativo: pais autoritativos são equilibrados. Eles estabelecem regras claras e expectativas, mas também são afetuosos e compreensivos. Essa abordagem promove um ambiente onde as crianças têm estrutura e apoio emocional. Pais autoritativos geralmente conseguem um equilíbrio entre disciplina e liberdade, resultando em crianças mais independentes e autoconfiantes, e uma melhor relação com a alimentação.

O estudo original de Diana Baumrind, que introduziu esses conceitos, é frequentemente citado como uma referência fundamental na psicologia do desenvolvimento e na pesquisa sobre criação de filhos. Suas descobertas foram influentes e continuam a ser discutidas e pesquisadas na área de psicologia até os dias de hoje.

Apesar do estudo não mencionar a alimentação infantil especificamente, conseguimos aplicar suas descobertas ao comportamento alimentar e a forma de educação oferecida pelos pais, e conseguimos concluir que pais com perfil autoritativo criarão crianças com melhor relação com a comida e melhor perfil de consumo alimentar.

DIVISÃO DE RESPONSABILIDADES

Em concordância com Diana Baumrind, o estudo de Silva, em 2016, mostra que o como, quando, onde e quem alimenta a criança é tão importante quanto o que ela come, e fala sobre a importância da divisão de responsabilidades bem determinada na alimentação infantil.

O estudo ressalta que o papel da criança é expressar sinais de fome e saciedade, e o papel dos pais é definir o que vai ser consumido e quando. Tendo essa divisão de responsabilidades bem definida, a alimentação tende a ser mais saudável – tanto em termos nutricionais como emocionais.

O objetivo dessa divisão de responsabilidades é a criação de um ambiente alimentar positivo, no qual a criança se sinta segura e respeitada, o que desempenha um papel crucial no desenvolvimento de hábitos alimentares saudáveis ao longo da vida.

ALIMENTAÇÃO RESPONSIVA

Logo após a publicação desse estudo inovador, em 2019, surgiu o novo Guia Alimentar Para Crianças Menores de 2 Anos. Este guia marcou um ponto de virada significativo ao abordar a alimentação de maneira mais abrangente, enfatizando pela primeira vez o conceito de ‘alimentação responsiva’.

A alimentação responsiva refere-se à abordagem na qual os cuidadores estão atentos às necessidades e sinais da criança em relação à comida, respeitando os sinais de fome e saciedade, estabelecendo um ambiente alimentar positivo e evitando pressões para comer ou restrições excessivas.

Dentro desse novo paradigma, reconhece-se a importância do contato visual e das interações olho no olho durante as refeições; a promoção de refeições em família sempre que possível; a exposição constante a uma variedade de alimentos e; crucialmente, os pais devem ser o exemplo de comportamento alimentar saudável para as crianças.

AFINAL, QUAL É O PAPEL DO NUTRICIONISTA?

Tento isso em vista, é seguro afirmar que é papel dos nutricionistas orientar os pais sobre como equilibrar a permissividade e a restrição na alimentação infantil. Através do incentivo a criação de rotinas alimentares consistentes, encorajamento aos pais em serem modelos de comportamento alimentar saudável e intervenções nas dinâmicas possivelmente negativas que acontecem dentro da casa em relação a alimentação.

Muito mais do que orientar apenas o que será consumido, deve-se orientar a maneira que essa alimentação está acontecendo dentro de casa.

Tudo isso permite a criação de um ambiente alimentar positivo, fazendo com que as crianças desenvolvam uma relação saudável com a comida e estabeleçam hábitos alimentares equilibrados ao longo da vida, garantindo um crescimento saudável e uma relação positiva com a alimentação.

FONTES

Baumrind, D. (1966). Effects of Authoritative Parental Control on Child Behavior. Child Development, 37(4), 887-907

Silva GA, Costa KA, Giugliani ER. Infant feeding: beyond the nutritional aspects. J Pediatr (Rio J). 2016 May-Jun;92(3 Suppl 1):S2-7. doi: 10.1016/j.jped.2016.02.006. Epub 2016 Mar 18. PMID: 26997355.

Brasil. Ministério da Saúde. Guia alimentar para crianças brasileiras menores de 2 anos / Ministério da Saúde, Secretaria de Atenção Primaria à Saúde, Departamento de Promoção da Saúde. – Brasília : Ministério da Saúde, 2019. 265 p. : Il.

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